O Príncipe - Nicolau Maquiavel (texto e vídeo)
POLÍTICA MODERNA
MAQUIAVEL
Edson Bellozo
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, professor dos departamentos de Serviço Social e Direito da UCP, Faculdades do Centro do Paraná.
MAQUIAVEL
Edson Bellozo
Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, professor dos departamentos de Serviço Social e Direito da UCP, Faculdades do Centro do Paraná.
1. VIDA E OBRA
Nicolò Machiavelli (Nicolau Maquiavel) nasceu em Florença, na Itália,
em 3 de maio de 1469. Morreu em 1527, aos 58 anos. Foi um dos mais originais
pensadores do renascimento, uma figura brilhante, embora em vida pouco tenha
desfrutado deste reconhecimento.
A vida de Maquiavel tem como pano de fundo o período de maior
esplendor cultural de Florença, do mesmo modo como ocorre o seu rápido declínio
e grande vulnerabilidade, sofrendo com as lutas em torno de sua conquista. Este
período é marcado por grande instabilidade política, porguerras, intrigas e
pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, pela presença da
igreja e a disputa desta, juntamente com França,
Espanha, grandes potências da época, na luta pela hegemonia européia.
A constante alternância de poder na igreja, com papas se sucedendo entre famílias
rivais bem como suas alianças com, ora aliados, ora inimigos, se reflete
diretamente na vida política do pequeno estado florentino.
Filho de um advogado renascentista, durante sua vida viu florescer a
cultura e o poder político de Florença, sob a direção política de Lourenço de
Medici, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o
filho de Lourenço e seu sucessor, Piero de Medici, foi expulso pelo monge
dominicano Savonarola, criador da República Florentina. Savonarola, defensor da
reforma da Igreja, foi também expulso do poder e queimado. Maquiavel serviu na
administração da República de Florença, de 1498 a 1512, na segunda Chancelaria,
tendo substituído Adriani, e como secretário do Conselho dos Dez da Guerra
(Dieci di Libertà et Pace), a instituição que na Signoria tratava da guerra e
da diplomacia. Tornou-se um conhecedor profundo dos mecanismos políticos e
viajou incessantemente participando em vinte e três embaixadas a cortes
italianas e européias, conhecendo vários dirigentes políticos, como Luís XII de
França, o Papa Júlio II, o Imperador Maximiliano I, e César Bórgia2 .
Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição
importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos
espanhóis que instalaram de novo os Medici como governantes de Florença. Em
1500, foi enviada a França onde se encontra com Luís XII e com o Cardeal de
Orleães. A sua missão mais memorável, aconteceu em 1502, quando visitou César
Bórgia estabelecido na Romagna. Este encontro foi objeto de um relatório em
1503, intitulado «Descrição da maneira empregada pelo Duque Valentino [César
Bórgia] para matar Vitellozzo Vitelli, Oliverotto da Fermo, Signor Pagolo e o
Duque de Gravina, Orsini, no qual descreveu com uma precisão cirúrgica os
assassinatos políticos impetrados pelo filho do Papa Alexandre VI Bórgia,
explicando detalhadamente a arte política ao principal dirigente de Florença, o
indeciso e temeroso Pietro Soderini. Maquiavel casou em 1502 com Marietta
Corsini, com quem teve quatro filhos e duas filhas. Em 1504 regressa a França,
e no regresso, inspirado nas suas leituras sobre a História Romana, apresenta
um plano para a reorganização das forças militares de Florença, que é aceito.
Em 1508 é enviado à corte do imperador Maximiliano, estabelecido em Bolzano. Em
1509 dirigiu o pequeno exército miliciano de Florença para ajudar a libertar
Pisa, missão que foi coroada de sucesso, e em 1510 está de novo na França.
EmAgosto de 1512, devido à invasão espanhola do território da república, a
população depôs Soderini e acolheu os Médici.
Quando os Medici retomam o governo, Maquiavel trabalha de forma
incansável para obter o reconhecimento da família, e desta forma, pode se
dedicar àquilo que acreditava ser sua verdadeira vocação: sua devoção aos
assuntos do Estado. Neste sentido, parece sua vocação e dever estar acima de
quaisquer interesses, seja quem for os detentores do poder.
Por ter sido gonfaloneiro da República florentina, é visto com
desconfiança pelo governo dos Medici, até ser demitido em sete de Novembro de
1512, preso e torturado em 1513, sendo depois exilado à propriedade que herdara
da família, em São Casciano. No retiro forçado, tenta ardorosamente voltar às
graças da família que ocupa o poder, sendo deste período as mais importantes
obras, como: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívioe O Príncipe.
Com exceção de algumas nomeações para postos temporários e de pouca
importância, em que se conta em 1526 uma comissão do Papa Clemente VII para
inspecionar as muralhas de Florença, e do seu amigo Francesco Guicciardini,
comissário Papal da Guerra na Lombardia, que o empregou em duas pequenas
missões diplomáticas, passou a dedicar-se à escrita, vivendo em San Casciano, a
alguns quilômetros de Florença. Em maio de 1527, tendo os Médici sido expulsos
de Florença, novamente tentou reocupar o seu lugar na Chancelaria, mas o posto
foi-lhe recusado devido à reputação que O Príncipe já lhe tinha granjeado.
Pouco tempo depois morreu, depois dos saques à Roma. Duas das obras de Maquiavel
foram publicadas em vida, La Mandragola (A Mandrágora), de 1515, publicada em
1524, um grande sucesso na época, ainda hoje considerada uma das mais
brilhantes comédias italianas, e o tratado Arte della guerra (A Arte da
Guerra), de 1519-1520, que tem como cenário as reuniões intelectuais dos Ortii
Oricellari(Jardins de Rucellai), local onde se reunia a Academia Florentina e
onde tinha sido colocada a estatuária retirada aos Médici. Foi neste cenário
que Nicolau Maquiavel leu uma versão dos seus Discorsi sopra la prime deca di
Tito Livio(Discursos sobra a primeira década de Tito Lívio), escritos em 1517 e
publicados em 1531. As suas outras obras incluem a Vita di Castruccio
Castracani (1520), um condottieri que governou Lucca de 1316 a 1328, umaIstorie
Fiorentine (escrita entre 1520 e 1525), as comédias Clizia (escrita por volta
de 1524) e Andria, o conto Belfagor, e a sua mais conhecida obra Il Principe (O
Príncipe) escrito 1513 e publicado em 1531.
Tanto nos
Discursos quanto em O Príncipe, aparecem o que alguns intérpretes de sua abra
chamam de um novo paradigma na visão que separa a política da ética, de acordo
com a tradição ocidental utilizadas até então. Um modo de ver a política ligada
a termos claros e específicos, certo e errado. A moral é usada como parâmetro
da ação humana, de acordo com esta percepção também se fazia presente na
analise da ação política. Sem o recurso a ética ou à moral, Maquiavel é o
primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais, podendo-se apregoar ao
pensador florentino também o pioneirismo na utilização do método científico de
Aristóteles e de Averróis à política, observando os fenômenos políticos através
da leitura de “tudo aquilo que havia sobre o assunto e os descrevendo a seu
próprio tempo”. O aspecto fundamental da política nada tinha a ver com religião
ou moral, a menos que estes aspectos fossem essenciais à manutenção do poder.
Este sim, uma vez alcançado,
devia ser assegurado sob quaisquer circunstâncias. Esta era a essência
verdadeira da política, ou seja, a conquista e a manutenção do poder eram os
verdadeiros objetivos desta. Aí reside a virtù do príncipe: saber o que fazer e
o que dizer em cada circunstância. Por preconizar a astúcia ante a ética,
Maquiavel foi, durante muito tempo, visto como o teórico do despotismo, da
tirania e da perfídia, ao que responde ao ser desta acusado, “se ensinei aos
Príncipes de que modo se estabelece a tirania, ao mesmo tempo mostrei ao povo
os meios para dela se defender”.Apesar da clareza do estilo com que Maquiavel
escreve, existe grande interpretações e, certamente, ofuscando muitas vezes
seus reais significados. A virtú em Maquiavel, tem a conotação de virilidade,
no sentido de que os indivíduos com tal qualidade, são definidos
fundamentalmente pela capacidade de impor sua vontade em situações de grande
dificuldade, por meio de uma combinação de caráter, força e cálculo. Da virtú,
que se conquista a fortuna, entendida com conotações femininas, vulnerável se
susceptível àquele portador de maior virtu. Reporta-se a referencia da tradição
ao amor cortesão, onde a mulher que constitui o objeto do desejo é abordada,
cortejada e implorada. O ideal de príncipe idealizado pelo pensador florentino
não visa cortejar ou implorar à Fortuna, mas ao encará-la, agarra-a de forma
viril de modo a impor seus desígnios. Esta idéia representa de certo modo a
ideia renascentista, sob a ótica do locus político, ao que propõe ao ser humano
ser dono de sua vontade, capaz, portanto, de arrumar o caos da política da
época. A base de seus ensinamentos está calcada nos acontecimentos passados,
visando um objetivo comum, que é a unificação da Itália, que se encontra
desorganizada e vulnerável a toda sorte de conluios e conspirações. Esta
unificação só será possível graças à ação de um príncipe que possua as
qualidades preconizadas em sua obra mais famosa, O Príncipe, observadas na
história romana, da qual Maquiavel constantemente se reporta, de modo que, está
presente em seu pensamento, a lição que a história nos dá. Aparecem de forma
clara seus sentimentos em torno da idéia da unificação da Itália, onde as
raízes do capitalismo comercial, propulsores da pujança de outras nações, ali
nascera dois séculos antes. Esta tarefa, só seria possível graças à ação de um
homem que se enquadrasse no perfil preconizado pelo príncipe, inspirado na
figura de César Borgia, o filho do papa, que reunia as qualidades de um líder,
figura carismática que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços.
Por meio de suas viagens à França, adicionada à sua vivência em meio a
incessantes conflitos e troca de mãos das rédeas da região, adquiriu a
experiência e a noção do quanto era insignificante para a conjuntura da época
um pequeno estado, como Florença. Por outro lado, Maquiavel é um dos primeiros
pensadores a preconizar a necessidade da manutenção de um exército permanente,
bem treinado e doutrinado às convicções do Estado. Para isso, aparece em seus
escritos a importância da religião, certamente, no sentido exatamente de
doutrinar e não propriamente de libertar o indivíduo. “Sem dúvida, Maquiavel
acreditou que o cristianismo era boa religião. Para escravos, bem entendido”.A
história, sob a ótica maquiaveliana, se repete, tornando-se a mestra da vida. O
palco onde se dá a representação humana, suas ações, segue um roteiro comum ao
longo do tempo, o que leva a entender que mudam os personagens, os cenários,
mas seguem-se os mesmos roteiros. Neste sentido, prevalece o comportamento
humano, que de acordo com os mesmo instintos e ideais, vulneráveis às fraquezas
e infortúnios, são susceptíveis às mesmas desgraças, tomam, em determinadas
circunstâncias, as mesmas atitudes. Entender o Estado, sob esta perspectiva,
significa entender o homem antes de tudo, levando-se a percepção de que o
Estado é aquele possível, não o idealizado. Ou seja, subentende-se que, deve-se
agir de acordo com as circunstâncias reais, não as imaginárias (ideais). Mesmo
recebido pouca atenção em vida, não escapou ele, mesmo depois de sua morte, ter
sua mais famosa obra, O Príncipe, caído no índex da igreja e tido como escritos
das mão do diabo. Praticamente cinco séculos passados do período em que viveu,
seu pensamento continua sendo influente e seu nome invocado, seja nos círculos
intelectuais, seja em nível do senso comum, com a conotação que tomou seus mandamentos,
como visto anteriormente, com base nas variadas interpretações que se deram ao
logo da história, serviram aos mais diversos e antagônicos pontos de vista,
servindo de ideal para a unificação da Itália no século XIX, a reis, déspotas e
a socialista, como bem o interpretou Gramsci
Referências:
LOPES, Marcos Antônio. Tempo e História em Maquiavel. Revista Locus,
Juiz de Fora, v. 9,
n. 2, p.64, 2003.
EIDE, M. C. O pensamento vivo de Maquiavel. São Paulo: Martim Claret,
1986.
GRUPPI, Luciano. Tudo Começou com Maquiavel. Porto Alegre: L & PM
Editores, 1988.
LOPES, Marcos Antônio, Tempo e História em Maquiavel, Revista Locus,
Juiz
de Fora, v. 9, n. 2, 2003.
MAQUIAVEL, Nicolau. Vida e Obra. São Paulo: Abril Cultural, 2000.
NICOLAU Maquiavel. Filósofo político do século XVI. Disponível em:
http://www.arqnet.pt/portal/biografias/maquiavel.html. Acesso em: 4
mar. 2007.
WEFFORT, Francisco C. (Org). Os Clássicos da Política. In: SADEK,
Maria
Tereza. Nicolau Maquiavel, o cidadão sem Fortuna e o intelectual de
virtù.
São Paulo: Ed. Atica, 2003.
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