As teorias contratualistas


As teorias contratualistas

                O fortalecimento do Estado moderno levou ao absolutismo real. Desde o século XVI as monarquias se fortaleceram na Inglaterra, na Espanha e no século XVII na França.
                O poder absoluto foi sustentado pela teoria do direito divino dos reis, defendida na França pelo bispo e teólogo Jacques-Bénigne Boussuet e na Inglaterra por Robert Filmer. No entanto, com a secularização do pensamento político, os filósofos procuravam o fundamento racional do poder soberano, para legítimá-lo sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer fundamentação religiosa. Daí a temática recorrente do contrato social dos filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.
                Os filósofos contratualistas partiam da hipótese do estado de natureza, em que o indivíduo viveria como dono exclusivo de si e dos seus poderes. Esses pensadores queriam compreender o que teria justificado abandonar um fictício estado de natureza para constituir o Estado político, mediante contrato, bem como discutir que tipo de soberania deveria resultar desse pacto.
                O que buscavam era a origem do Estado. Não se trata de uma abordagem histórica, de modo que seria ingenuidade concluir que a “origem” do Estado referia-se ao seu “começo”. O termo deve ser entendido no sentido lógico, e não cronológico, como princípio do Estado, ou seja, como sua “razão de ser”. O ponto crucial não é a história, mas a legitimidade da ordem social e política, a base legal do Estado.
Segundo o novo critério, a legitimidade do poder não se funda mais no divino, mas na representatividade e no consenso. Essa temática já aparece em Hobbes, embora baseada em outros pressupostos e com resultados e propostas diferentes daquelas discutidas posteriormente por Locke e Rousseau.
 Fonte: ARRUDA, M. L., MARTINS, M. H. P. 1988, p. 302.


O contrato social segundo Thomas Hobbes

Entre os séculos XVI e XVIII, alguns intelectuais, a partir de perspectivas diferentes, entre eles, Thomas Hobbes e John Locke afirmavam, basicamente, que tanto o Estado quanto a sociedade se organizaram a partir de pactos ou contratos firmados entre os indivíduos para regulamentar o convívio social, superar as tensões e conflitos e instaurar a ordem política.
Thomas Hobbes nasceu em 1588, inglês de família pobre, conviveu com a nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar. Teve contato com Descartes, Francis Bacon e Galileu. Realizou seus estudos em Oxford, onde aprendeu filosofia escolástica e grego. Ele abordou temas políticos, destacando-se como um filósofo do absolutismo, sistema político predominante na época. Hobbes defendia que uma única pessoa, no caso o monarca, deveria concentrar todo o poder. Para ele, os homens, em estado de natureza, são iguais quanto às faculdades do corpo (força) e do espírito (inteligência) e quanto às esperanças de atingir seus fins, podendo desejar todas as coisas. Os fins são, basicamente, a própria conservação e a sobrevivência, mas também podem ser apenas o deleite. Dominado por suas paixões, desconhecendo as intenções e desejos dos outros, em relação a si próprio, o homem vive solitário, em guarda, pronto a defender-se ou a atacar; quando desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo, os homens se tornam inimigos e lutam entre si em defesa de seus interesses pessoais. Daí fazer sentido sua máxima: “o homem é lobo do homem”, pois para ele, o homem é um ser desejante que vive para satisfazer a si próprio.
Para Hobbes, no estado de natureza, o ser humano tem direito a tudo:

O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e, consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 82. (Coleção Os Pensadores)

Ora, enquanto perdura esse estado de coisas, não é possível segurança nem paz alguma. A situação que gera insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas predominam e cada um torna-se um lobo para o outro (em latim, homo homini lúpus). As disputas provocam a guerra  de todos contra todos (bellum omnium  contra omnes), com graves prejuízos para a indústria, a agricultura, a navegação, o desenvolvimento da ciência e o conforto dos indivíduos.

Na sequência do raciocínio, Hobbes pondera que o indivíduo reconhece a necessidade de

[...] renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo. HOOBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 83. (Coleção Os pensadores)

O desejo, aliás, é um elemento fundamental da filosofia de Hobbes. A vida humana é uma procura inquietante e desenfreada pela realização de desejos: é o desejo de continuar vivo, de viver bem, com conforto e segurança. É também o desejo de ser feliz. Assim, o filósofo inglês discordava de Aristóteles e tantos outros filósofos antigos e medievais, pois, para ele, não existe um estágio de felicidade em que o ser humano alcançaria a realização plena. Ao contrário, pensava Hobbes que se o indivíduo satisfaz o desejo momentâneo de se alimentar, posteriormente terá outros desejos: o de ter uma casa confortável, o de ter um trabalho com uma renda excepcional, o de obter riquezas e assim por diante. O desejo é insaciável, por mais que o satisfaçamos.
Considerando esta condição humana entendida por Hobbes, imaginemos um período da história em que não houvesse Estado nem sociedade, nem leis organizadas, de forma que todos pudessem viver e fazer aquilo que desejassem. Este seria o que Hobbes entende por estado de natureza. Sem Estado nem regras, nesse lugar somente poderiam subsistir dois princípios que valeriam para todos: igualdade e defesa dos próprios interesses.
A busca pela satisfação pessoal, sem o limite das leis, certamente culminaria na satisfação do puro egoísmo. E mais: para satisfazer seus desejos, o homem se permite, inclusive, a agir violentamente contra outros homens. Assim, reinam a insegurança e o medo entre todos, pois nada há que possa impedir a violência de um contra o outro. Por isso, o Estado de Natureza é um estado de guerra de todos contra todos.
Para Hobbes, é esse medo constante que origina a sociedade e o Estado.  A transferência mútua de direitos, voluntariamente, é o que se chama contrato. A nova ordem é, portanto, celebrada mediante um contrato. O medo é a causa principal desse pacto social entre os indivíduos. Para ter mais segurança, cada um aceita abrir mão de sua liberdade, cedendo o direito natural de governar a si próprio para alguém ou alguma instituição maior, desde que os outros indivíduos também façam o mesmo. Assim nasce o Estado, da decisão voluntária de cada um em trocar a liberdade pela segurança. Se todos se submetessem a uma única autoridade, esta possuirá o poder para proibir os homens de violentarem-se uns contra os outros. Portanto, a busca por segurança seria a razão principal de se criar um contrato social.
O contrato social é o que viabiliza a convivência em sociedade, pois a partir dele se estabelece uma pessoa ou assembleia para controlar o poder. Esse controle deve visar ao interesse comum e limitar os deveres e direitos das pessoas. Antes do contrato social não há povo nem interesse comum, apenas uma multidão desorganizada.
Depois do contrato social há um povo que aceita reduzir sua liberdade em troca de ordem e leis que sirvam a seus interesses.
Qual é a natureza do poder legítimo resultante do consenso? Que tipo de soberania é garantida pelo pacto? Para Hobbes, o poder do soberano deve ser absoluto, isto é, ilimitado. A transmissão do poder dos indivíduos ao soberano deve ser total, caso contrário, por pouco que seja conservada a liberdade natural, instaura-se de novo a guerra. Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, o justo e o injusto; e ninguém pode discordar dele, pois tudo o que o soberano faz é resultado do investimento da autoridade consentida pelo súdito.
E, se não há limites para a ação do governante, não é sequer possível ao súdito julgar se o soberano é justo ou injusto, tirano ou não, pois é contraditório dizer que o governante abusa do poder: não há abuso quando o poder é ilimitado.
É importante ressaltar que, uma vez instituído, o Estado não seja contestado: ser absoluto significa estar “absolvido” de qualquer constrangimento. Portanto, o indivíduo  abdica da liberdade ao dar plenos poderes ao Estado a fim de proteger sua própria vida e a propriedade individual.
O poder do Estado é exercido pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os indivíduos. “Os pactos sem a espada [sword] não são mais que palavras [words]”, diz Hobbes. Investido de poder, o soberano pode prescrever leis, escolher conselheiros, julgar, fazer a guerra e a paz, recompensar e punir. Hobbes preconiza ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões e doutrinas contrárias à paz.
Quando, afinal, o próprio Hobbes pergunta se não é muito miserável a condição de súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara à condição dissoluta de indivíduos sem senhor ou às misérias da guerra civil.
Fonte: ARRUDA, M. L., MARTINS, M. H. P. 1988, p. 303-304.



No século XVII, Baruch Espinosa elaborou uma teoria política que se contrapõe à de Hobbes, por criticar o pacto: todo reconhecimento a um governo deve ser provisório e nada justifica que cada um renuncie aos poderes individuais. A sociedade civil que resulta da união de todos deve ser a que dará maior poder a todos, cujas ações reguladas pelas leis e pelas assembleias poderão levar à paz baseada na concórdia e não na simples supressão das hostilidades pela intimidação. A noção de súdito passivo, Espinosa opõe a do cidadão com liberdade para pensar e agir.
Fonte: ARRUDA, M. L., MARTINS, M. H. P. 1988, p. 304.

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